quarta-feira, 19 de maio de 2010

Vende-se Tudo
Por Martha Medeiros

No mural do colégio da minha filha encontrei um cartaz escrito por uma
mãe, avisando que estava vendendo tudo o que ela tinha em casa, pois a
família voltaria a morar nos Estados Unidos. O cartaz dava o endereço
do bazar e o horário de atendimento. Uma outra mãe, ao meu lado,
comentou:
- Que coisa triste ter que vender tudo que se tem.
- Não é não, respondi, já passei por isso e é uma lição de vida.


Morei uma época no Chile e, na hora de voltar ao Brasil, trouxe comigo
apenas umas poucas gravuras, uns livros e uns tapetes. O resto vendi
tudo, e por tudo entenda-se: fogão, camas, louça, liquidificador, sala
de jantar, aparelho de som, tudo o que compõe uma casa.


Como eu não conhecia muita gente na cidade, meu marido anunciou o
bazar no seu local de trabalho e esperamos sentados que alguém
aparecesse. Sentados no chão. O sofá foi o primeiro que se foi. Às
vezes o interfone tocava às 11 da noite e era alguém que tinha ouvido
comentar que ali estava se vendendo uma estante. Eu convidava pra
subir e em dez minutos negociávamos um belo desconto. Além disso, eu
sempre dava um abridor de vinho ou um saleiro de brinde, e lá se iam
meus móveis e minhas bugigangas.


Um troço maluco: estranhos entravam na minha casa e desfalcavam o meu
lar, que a cada dia ficava mais nu. No penúltimo dia, ficamos só com o
colchão no chão, a geladeira e a tevê. No último, só com o colchão,
que o zelador comprou e, compreensivo, topou esperar a gente ir embora
antes de buscar. Ganhou de brinde os travesseiros.


Guardo esses últimos dias no Chile como o momento da minha vida em que
aprendi a irrelevância de quase tudo o que é material. Nunca mais me
apeguei a nada que não tivesse valor afetivo. Deixei de lado o zelo
excessivo por coisas que foram feitas apenas para se usar, e não para
se amar. Hoje me desfaço com facilidade de objetos, enquanto que
torna-se cada vez mais difícil me afastar de pessoas que são ou foram
importantes, não importa o tempo que estiveram presentes na minha
vida…


Desejo para essa mulher que está vendendo suas coisas para voltar aos
Estados Unidos a mesma emoção que tive na minha última noite no Chile.
Dormimos no mesmo colchão, eu, meu marido e minha filha, que na época
tinha 2 anos de idade. As roupas já estavam guardadas nas malas. Fazia
muito frio. Ao acordarmos, uma vizinha simpática nos ofereceu o café
da manhã, já que não tínhamos nem uma xícara em casa.

Fomos embora carregando apenas o que havíamos vivido, levando as
emoções todas: nenhuma recordação foi vendida ou entregue como brinde.
Não pagamos excesso de bagagem e chegamos aqui com outro tipo de
leveza….só possuímos na vida o que dela pudermos levar ao partir, é
melhor refletir e começar a trabalhar o DESAPEGO JÁ!


Não são as coisas que possuímos ou compramos que representam riqueza
ou plenitude. São as dádivas especiais que não tem preço, como
família, amigos e saúde.

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